sábado, junho 26, 2004 ::: A máquina, o filme e a Adriana
Impressionou-me a uns anos atrás a encenação da peça A Máquina, no Teatro Armazém - que fica em um dos muitos armazens de depósito na área portuária do Recife Antigo. O espetáculo, encenado numa arena, contava a história de amor de Karina e Antônio, em Nordestina, uma pequena, típica e estagnada cidade interiorana. Karina quer ir embora; Antônio, para impedi-la, promete trazer o mundo para Nordestina, e aí começa a aventura de A Máquina.
O romance de Adriana Falcão foi levado ao palco por seu esposo João Falcão e lançou gente como Lázaro Ramos (O Homem que Copiava) e Wagner Moura (O Caminho das Nuvens).
Agora vem a boa nova da chegada de A Máquina no cinema. Fiquei feliz!
A Adriana Falcão se tornou um interesse a parte depois que assisti a peça. Escreve livros infantis, escreve para "A Grande Família", entre outros, para a Globo, e adaptou O Auto da Compadecida para a telona (tenho um caso de amor especial com o Auto, todo mundo já sabe). Um texto seu do livro de contos "O doido da garrafa":
"O doido da garrafa
Ele não era mais doido do que as outras pessoas do mundo, mas as outras pessoas do mundo insistiam em dizer que ele era doido.
Depois que se apaixonou por uma garrafa de plástico de se carregar na bicicleta e passou a andar sempre com ela pendurada na cintura, virou o Doido da Garrafa.
O Doido da Garrafa fazia passarinhos de papel como ninguém, mas era especialista mesmo em construir barquinhos com palitos. Batizava cada barco com um nome de mulher e, enquanto estava trabalhando nele, morria de amores pela dona imaginária do nome. Depois ia esquecendo uma por uma, todas elas, com exceção de Olívia, uma nau antiga que levou dezessete dias para ser construída.
Batucava muito bem e vivia inventando, de improviso, músicas especialmente compostas para toda e qualquer finalidade, nos mais variados gêneros. Uai aí aquela da mulher de blusa verde atravessando a rua apressada, e o Doido da Garrafa imediatamente compunha um samba, uma valsa, um rock, um rap, um blues, dependendo da mulher de blusa verde, do atravessando, da rua e do apressada. Geralmente ficava uma obra-prima."
Kenia, ainda não li o livro, mas acabo de perceber que o tema foi "chupado" de "O Santo Graal e a Linhagem Sagrada", de Michael Baigent, que eu li, em 1995 (aliás, sumiu! será que eu emprestei e nem sei?). Mas esse não é ficção. O cara, e mais dois pesquisadores, narram no livro a jornada que eles mesmos viveram atrás de documentos dos Templários e, aos poucos, foram chegando a uma conclusão parecidíssima com essa aí do Da Vinci. Segundo eles, houve um erro de interpretação, e San Graal (Santo Graal) seria, na verdade, Sang Raal (sangue real), simplesmente rearrumando as letras. Jesus teria casado com Maria Madalena e o Sang Raal seria a linhagem de Cristo, a linhagem sagrada.
O resultado é que agora fiquei curiosa pra ler o Da Vinci, uma vez que "O Santo Graal e a Linhagem Sagrada" me influenciou muito para fazer faculdade de História.
De início, a leitura do Código foi viciante mesmo. Talvez pelo fato de os capítulos serem curtos – o que me dava mais flexibilidade na leitura, já que as minhas pausas foram constantes – e muito do dinamismo da narrativa se concentrar nas primeiras situações do livro. Depois houve uma queda na intensidade da ação, não sei precisar exatamente em que ponto, mas o fato é que meu interesse foi esfriando um pouco. Não creio que esse fato se deva às interrupções da leitura – que não foram tão longas -, mas à uma perda de agilidade do enredo.
Meu interesse voltou a ser instigado pela visão pouco ortodoxa do Graal. Visto de uma maneira simbólica, a substituição da materalidade do cálice pelo sagrado feminino foi extremamente interessante. A figura de Maria Madalena, que na Bíblia é ilustrativa de poucas situações, ganhou contornos mais verossímeis, a exemplo de diversos textos apócrifos que existem, apesar de não serem aceitos oficialmente. Mas ficou só nisso mesmo e a seqüência da descendência de Jesus e MM me pareceu meio improvável, mesmo para um universo ficcional.
Que a visão matriarcal do mundo tem sido omitida e distorcida no correr dos séculos, não se constitui em nenhuma novidade. Quando o livro tenciona abordá-la – e foi aí que meu interesse se renovou, repito – eis que se deu de forma superficial, ficando aquém, em minha opinião, do tratamento que o assunto merece. Até mesmo a expectativa de novidade na abordagem da demanda do Santo Graal foi quebrada em pouco tempo: continua sendo uma busca masculina e material mesmo, apesar dos indícios iniciais darem conta do contrário, quando pretendem transformá-la em algo mais simbólico.
A personagem Robert Langdon é o protagonista. No que me causou algum espanto: não deveria sê-lo Sophie Neveu, pela sua ascendência e pelo livro abordar a questão do sagrado feminino? O que se vê é uma figura feminina sendo satélite do protagonista masculino, o que não combina com o tema pretendido. Acho que houve uma preocupação por parte do autor de tocar em questões polêmicas, pelo menos a questão do feminino é uma delas, mas ficou só na intenção. A demanda continua uma empreitada solitária e masculina: de um lado Sauniere, com suas charadas que só puderam ser desvendadas pelo protagonista, sendo que sua neta, Sophie, apesar de conhecer seu modus operandi desde a infância, não consegue se impor como cérebro e condutora da trama. Na outra ponta, RL, o professor galã (não sei por que a imagem de Robert Redford não me saía da cabeça) e solitário, que preenche perfeitamente o perfil do cavaleiro do Rei Arthur na sua busca desmedida do Graal.
Esperava mais da leitura talvez porque o sagrado feminino é um assunto rico demais e cheio de nuances que poderiam ter sido exploradas de uma maneira mais rica. No desenrolar da trama, as seqüências foram ficando muito previsíveis e foi nesse ponto que o geral do livro ficou comprometido: começou em grande estilo, com tema e subtema muito fortes para um enredo cuja feitura não os soube desenvolver e tirar deles o que de melhor poderiam oferecer.
O Código Da Vinci - The Da Vinci Code Autor: Dan Brown Editora: Sextante ISBN: 8575421131 Ano: 2004 Edição: 1 Número de páginas: 480 Acabamento: Brochura Formato: Médio
Finalmente assisti o filme O Óleo de Lorenzo [Lorenzo's Oil, EUA/1992] - não gosto muito de histórias em que uma criança sofre. Nem bichinhos. OK, nem pessoas adultas.
O foco do filme, no entanto, fica mais sobre os pais de Lorenzo Odone, um menino que sofre de AdrenoLeucoDistrofia [ALD], doença hereditária transmitida sempre pela mãe mas que só afeta os filhos homens e leva à morte poucos anos após diagnosticada. Talvez por conta da carga genética defeituosa vir da mãe, a personagem de Susan Sarandon [a mãe, Michaela Odone] está sempre em primeiro plano mesmo quando contracena com Nick Nolte [o pai Augusto Odone]: NN está sempre uma cabeça abaixo de Susan. E a atuação dela é algo espetacular.
Quando o filme terminou, nos créditos a informação de que Lorenzo Odone contava com 14 anos [a doença costumava matar os que desenvolviam os sintomas antes dos 10 anos] e seus pais lutavam para que os médicos e cientistas pudessem desenvolver a re-mielinização; o Óleo de Lorenzo interrompe a degeneração da mielina, mas não a reconstitui.
No site do Myelin Project a informação de que Michaela faleceu em 2000, mas Lorenzo ainda vive [e Omouri com ele].
Ontem eu separei uns cd´s para encarnar de vez o ritmo junino, e sem escolher muito coloquei uma coletânea da Elba Ramalho. Olha a primeira música que tocou:
"Hoje eu sonhei contigo
Tanta desdita, amor
Nem te digo
Tanto castigo
Que eu tava aflita de te contar
Foi um sonho medonho
Desses que às vezes a gente sonha
E baba na fronha
E se urina toda
E quer sufocar
Meu amor
Vi chegando um trem de candango
Formando um bando
Mas que era um bando de orangotango
Pra te pegar
Vinha nego humilhado
Vinha morto-vivo
Vinha flagelado
De tudo que é lado
Vinha um bom motivo
Pra te esfolar" (Não sonho mais - Chico Buarque/1979)
A letra até merece ser transcrita por completo, mas isso ia ficar comprido demais, então quem quiser tudo tem na página do cara.
Quando ouvi a voz da Elba, a primeira coisa que me ocorreu foi o evento multiblogal que a Bruna criou lá nos seus cantinhos, em homenagem aos sessenta anos do Chico comemorados sábado último, e eu soube na hora que ia ter que falar disso aqui. Pois não é mesmo que o Chico tá em todas, esse fim-de-semana foi dele, hein? Até forró o homem faz, e bem!
Prá completar tô quase terminando um de seus livros, Benjamim. Benjamim é a história do encontro de dois solitários, Benjamim e Ariela, na paisagem carioca (como não podia deixar de ser). Benjamim vê em Ariela Castana Beatriz, um amor antigo, jamais esquecido. A história foi levada às telas de cinema ainda este ano, por Monique Gardenberg, lançamento este já devidamente comentado aqui.